quinta-feira, 9 de abril de 2009

As últimas lições do discipulado

As últimas lições do discipulado
João 13:1-17

Introdução
O que você faria se soubesse que morreria amanhã? O que você falaria para as pessoas que te cercam se soubesse que aquelas seriam suas últimas palavras? Quais seriam seus atos se soubesse que seriam seus últimos gestos? Se você fosse um pregador, qual seria o seu último sermão? Essa era exatamente a condição de Jesus. Diz a Bíblia que “sabendo Jesus que era chegada a sua hora de passar deste mundo para o Pai...” (v.1). Sendo Deus e gozando de atributos divinos como a onisciência, Jesus sabia exatamente o que o aguardava ainda aquela noite. Ele sabia que horas depois seria traído, entregue aos principais sacerdotes e abandonado pelos seus discípulos. Por isso, aquelas eram horas preciosas. Com certeza muito havia a ser dito. Muitas palavras a serem proferidas. Muitos conselhos a serem dados. Inúmeras recomendações a serem feitas. Entretanto, naquela noite memorável, Jesus abre mão do discurso e lança mão do exemplo. Ele não fala, ele age. Ele não prega um sermão, ele vive a pregação.
É muito sugestivo o texto iniciar dizendo “Ora, antes da Festa da Páscoa...” (v. 1), porque a Páscoa torna-se o cenário sobre o qual esse evento acontece. Isso não é por acaso. Não se trata de uma data acidental. Pelo contrário, todas as coisas obedeciam ao relógio de Deus. A palavra páscoa significa passagem. A instituição da páscoa remonta a saída do povo do Egito para a Terra Prometida. Nesse sentido, a páscoa simbolizava a passagem do povo de uma condição de escravidão para a liberdade. Assim sendo, a páscoa do Antigo Testamento e do Novo Testamento tem o mesmo sentido, mas dimensões diferentes. No Antigo Testamento, a Páscoa simbolizava a libertação física do povo, ou seja, a escravidão e o jugo a que os hebreus estavam submetidos pelos egípcios havia terminado. No Novo Testamento, a páscoa também simboliza a libertação. Contudo, agora, com uma dimensão espiritual. Aquele que era escravo do pecado, sentenciado ao juízo divino, agora está liberto através do sacrifício vicário de Jesus.
O ministério terreno de Jesus durou três. E, neste interstício, os discípulos tiveram a grande oportunidade de conviver diariamente com o Mestre. Três anos ouvindo suas pregações, preleções e estudos bíblicos. Este foi, com certeza, o maior seminário teológico já fundado na história do cristianismo. Esse seminário era composto de apenas doze alunos e um único professor – o próprio Deus, Jesus de Nazaré. Os discípulos testemunharam diversos milagres: curas, libertações e até ressurreições.
Durante esse período, os apóstolos participaram da intimidade de Jesus. Entretanto, o texto sugerido nos mostra que o período de formação estava chegando ao fim. Após três anos de muito aprendizado, os seminaristas estavam prestes à ordenação. O evento narrado pelo evangelista João remonta a noite de quinta-feira, data em que Jesus seria entregue aos principais sacerdotes. Portanto, o texto relata os últimos momentos de Jesus com os seus discípulos. E é exatamente para essa noite que Jesus havia reservado as últimas lições do discipulado. Passemos a examinar as últimas lições de Jesus:

I – Lição do Amor (v. 1)
O texto diz que “tendo Jesus amado os seus, amou-os até o fim”. É um amor sem limites, um amor levado às últimas conseqüências. O escritor Philip Yancey afirma que Deus se assemelha a um pai cego de amor por seu filho, alguém disposto a dar sua própria vida. É um amor sacrificial. Max Lucado, certa vez, lançou a seguinte pergunta: “Sabe por que Jesus morreu na cruz?” Ele mesmo responde: “Porque Deus não se imaginava passar a eternidade sem você!”. Assim, Jesus transmite aos seus aspirantes ao ministério pastoral que é absolutamente impossível ser pastor sem amar. O amor é uma condição imprescindível para o exercício do ministério. O jovem pastor batista Martin Luther King disse: “Aprendemos a nadar como os peixes; a voar como os pássaros; mas, ainda não aprendemos a amar o próximo.
Outro ponto que merece destaque diz respeito ao amor incondicional de Jesus. Somos amados não pelo que fazemos ou deixamos de fazer. Não é um amor baseado numa relação de troca ou barganha. Philip Yancey diz que “não há nada que eu possa fazer para Deus me amar mais; não há nada que eu possa fazer para Deus me amar menos”. Não há nada nesse mundo que abale o amor de Jesus. Jesus amou todos, inclusive Judas.
Judas era um homem acima de qualquer suspeita. Ao contrário do que se pensa, ela era um homem de extrema respeitabilidade no colégio apostólico. Judas era o único discípulo de Jesus que era da Judéia. Todos os outros eram da Galiléia. Assim, Judas gozava de um status mais elevado, porque os judeus provenientes da Galiléia eram considerados impuros, enquanto os judeus da Judéia eram considerados mais devotos, consagrados e justos. A Galiléia era tida como uma terra imunda, porque estava cheia de gentios. Outro aspecto a ser considerado acerca de Judas Iscariotes diz respeito a posição que ocupava dentre os apóstolos. Ele era o único que tinha um cargo e, por sinal, um cargo de confiança. Ele era o tesoureiro do grupo. O único cargo disponível era ocupado por ele.
O texto diz que Jesus lavou os pés de todos os discípulos, inclusive os pés de Judas. Jesus está lavando os pés daquele que, naquela mesma noite, iria traí-lo. Judas era considerado amigo de Jesus. A Bíblia diz que quando Judas se aproximou de Jesus no Getsêmani acompanhado dos guardas e fariseus que prenderiam o prenderiam, Jesus lhe perguntou: “Amigo, para que vieste?” (Mt. 26:50). Max Lucado diz que “a traição é um ato que só um amigo pode cometer”. O inimigo não pode trair porque, para haja traição, é preciso que aconteça entre duas pessoas próximas, amigas e que guardam uma relação de confiança. Jesus nunca considerou Judas como seu inimigo. Pelo contrário, Judas fazia parte do seleto grupo de amigos de Jesus – os 12 discípulos.

II – Lição de Humildade (v. 4-5).
A Bíblia diz que o primeiro ato de Jesus foi “tirar a sua vestimenta” (v. 4). Por que Jesus se despiu da sua roupa? Porque a roupa diz muito acerca de quem nós somos. Há uma máxima contemporânea que diz “você é aquilo que você veste”. A roupa identifica a posição ou mesmo a função que alguém exerce na sociedade. Através da roupa sabemos, claramente, se a pessoa é rica ou pobre. Se é alguém importante ou uma pessoa simples. Isso se deve porque o vestuário indica status. É exatamente por isso que muitas pessoas estão dispostas a pagar R$300,00 reais numa calça jeans. Não se trata daquilo que ela faz (vestir), porque isso qualquer calça faz, mas sim o que ela representa. A roupa é um símbolo de poder. A roupa é um estereótipo que não tem apenas a função de vestir, mas, sobretudo, de caracterizar. A própria vestimenta de Jesus era uma veste utilizada tipicamente por rabinos e mestres da Lei. Era uma roupa valiosa, por isso, após a sua crucificação os guardas lançaram sortes para decidir sobre quem ficaria com suas vestes (Lc 23:34).
Por que Jesus fez isso? Uma excelente maneira de aprendermos acerca de um tema é esgotarmos o que a Bíblia diz sobre determinado assunto. Nesse sentido, é interessante notar que esse evento de lavar os pés é narrado apenas pelo evangelista João. Entretanto, a última ceia é narrada pelos outros evangelistas. O evangelista Lucas, por exemplo, narra um evento muito intrigante que sucedeu durante a última ceia. O capítulo 22 de Lucas é um texto paralelo ao capítulo 13 do Evangelho de João. Portanto, os eventos que acontecem em Lucas 22 são os mesmos que acontecem em João 13. Assim sendo, Lucas narra que durante a ceia os discípulos começaram a debater entre si qual deles seria o maior (Lc 22:24). Alguns comentaristas dizem que foi exatamente no meio dessa discussão que Jesus se levanta e se despoja de sua túnica, ensinando aos seus discípulos o verdadeiro sentido de grandeza no Reino de Deus. Bill Hybels afirma que, para ser grande no Reino de Deus, o cristão deve crescer para baixo. É um crescimento que nos leva a pequenez. No Reino de Deus ninguém sobe degraus rumo à ascensão. A ascensão é a diminuição.
O texto afirma que Jesus tomou uma toalha, deitou água na bacia e passou a lavar os pés dos discípulos. A atitude de Jesus era uma prática comum no Oriente Médio. As ruas não eram pavimentadas e, por isso, as pessoas sujavam muito os seus pés ao caminharem pelas ruas da cidade. Além do mais, o calçado utilizado por todos eram sandálias abertas que propiciavam o contato direto dos pés com a poeira. Assim, quando alguém oferecia um banquete com o intuito de receber convidados importantes, colocava um escravo na porta da entrada para lavar os pés daqueles que chegassem para a refeição. Como pode se observar, Jesus assume uma postura de um escravo.
Lembremo-nos ainda que Jesus é Deus, e, como tal, encontra-se despido de sua glória, envolto em uma toalha, de joelhos, lavando os pés de pecadores. Agostinho dizia que a qualidade indispensável para um verdadeiro cristão é a humildade. Jesus ensina aos seus seminaristas que o exercício do ministério pastoral necessita de pessoas humildes. A palavra humildade é tapeinós (grego), de onde se origina a palavra tapete. Ou seja, a raiz da palavra humildade sugere alguém que está disposto a ser pisado e humilhado. É bom recordar que, anos antes desse evento, o profeta João Batista havia dito que ele não era digno nem mesmo de desatar as sandálias de Jesus (Mc 1:7). No entanto, Jesus, o Deus encarnado, ajoelha-se diante de seus discípulos e, não apenas desata as correias de suas sandálias, mas, ainda, lava os seus pés.

III – Lição de Serviço (v. 14-16).
Jesus mostra aos seus seminaristas que ser pastor é, antes de tudo, ser um servo. Ele conclama os seus apóstolos a se despirem da indumentária eclesiástica e assumirem a forma de um serviçal. Como filhos de Deus, somos chamados a frutificar. O grande pregador e avivalista do século XIX, Dwight L. Moddy, afirmou com muita propriedade: “Ore, como se tudo dependesse de Deus; trabalhe, como se tudo dependesse de você!”. O próprio Moody, ainda, afirmou: “Ser cristão não exige muito de uma pessoa, exige tudo”. O SENHOR nos chama ao serviço e às boas obras.
Conta-se que, certa vez, um jovem viu o árduo trabalho feito pela Madre Tereza de Calcutá junto aos leprosos. Um trabalho árduo, difícil e sem nenhum prestígio nem reconhecimento. Ao presenciar o trabalho da devota freira, ele exclamou: “Eu não faria esse trabalho nem por um milhão de dólares!”. A freira respondeu: “Eu também não!”. Ele perguntou: “Então, por que a senhora o faz?” Madre Tereza, prontamente, lhe respondeu: “Por amor!”.
É curioso saber que o último sermão do grande expositor bíblico John Stott, em 17 de julho de 2007, na Inglaterra, teve o seguinte tema “Tornando-nos mais semelhantes a Cristo”. E no decorrer de sua mensagem, um dos textos examinado foi João13. Assim Jonh Stott discorre: “Quero convidá-los a subir comigo ao cenáculo onde Jesus passou sua última noite com os discípulos. ‘Tirou a vestimenta de cima e, tomando uma toalha, cingiu-se com ela. Depois, deitou água na bacia e passou a lavar os pés aos discípulos e a enxugar-lhos com a toalha com que estava cingido. Ao terminar, retornou ao seu lugar e disse-lhes: Ora, se eu, sendo o SENHOR e o Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Porque eu vos dei o exemplo’. Note-se a palavra – ‘para que, como eu vos fiz, façais vós também’.
Ensinar através do exemplo não é a melhor maneira de influenciar as pessoas e inculcar fortemente os princípios ensinados. É a única. Jesus utilizou diversas formas de ensino para treinar seus discípulos: pregação, parábolas, estudos, atos. Entretanto, aqui ele se utiliza do melhor e mais eficaz método de ensino: o exemplo. Jesus não nos pediu nada daquilo que ele mesmo não tenha feito. O serviço da Igreja tem como paradigma o próprio ministério servil de seu Mestre. Assim, naquela noite de quinta-feira, antes de se despedir dos discípulos, Jesus traz a eles lições preciosas. “Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também” (v. 15). A atitude de Jesus é apenas um exemplo. Cabe a nós perpetuarmos os seus ensinamentos.


Rev. Daniel Sampaio Mota

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